Uma das múmias expostas no Museu Egípcio de Milão
Foto © Roseli M. Comíssoli de Sá
Foto © Roseli M. Comíssoli de Sá
Na tradição
sobre as múmias e nos filmes de terror nos quais elas aparecem, qualquer
pessoa que perturbe a tumba de uma delas incorrerá na sua ira. Esta
idéia está baseada nas maldições que, supostamente, os antigos egípcios
inscreveram no limiar de seus túmulos. Tais advertências agiriam como
antigos sistemas de segurança e tinham por objetivo fazer com que os
assaltantes das tumbas tivessem medo de fugir com os bens enterrados nas
sepulturas. Embora se acredite que essa lenda seja baseada no folclore
egípcio, é até bem provável que a história da maldição da múmia tenha
surgido na literatura. Uma fonte amplamente aceita é o conto de Louisa
May Alcott intitulado Perdido em uma Pirâmide: a Maldição da Múmia, publicado em 1869.
Quando os árabes chegaram ao Egito no VII século da era cristã não conseguiam ler os hieróglifos
e muita coisa lhes parecia misteriosa. As múmias bem preservadas também
despertavam estranheza e as lendas sobre a maldição dos faraós começou a
surgir. Diversas histórias fantásticas circulavam. Eles acreditavam que
se alguém entrasse numa tumba e proferisse a fórmula mágica apropriada,
seria capaz de materializar objetos feitos invisíveis pelos antigos
egípcios. Também acreditavam que as múmias podiam retornar à vida
através de meios mágicos e que as tumbas estavam magicamente protegidas
contra invasores por meio de maldições.
Em 1923,
algumas semanas após a descoberta da tumba de Tutankhamon, Lord
Carnavon, o homem que financiou o projeto e que vemos na foto ao lado,
foi picado por um mosquito e acabou morrendo em conseqüência da infecção
generalizada que daí resultou. No momento de sua morte houve uma total
falta de luz no Cairo e seu cachorro, que estava na Inglaterra, começou a
uivar até morrer. Os jornais noticiaram amplamente os fatos e vários
artigos foram publicados sugerindo que uma antiga maldição proferida
contra aqueles que profanassem a tumba tinha sido despertada. A lenda da
maldição da múmia começava a se espalhar. Até o fato do canário
pertencente a Howard Carter ter sido engolido por uma naja, um símbolo
faraônico, no dia da abertura da tumba, foi atribuído a ela. A história
reaparecia regularmente sempre que outra pessoa envolvida na expedição
morria e isso ocorreu até mesmo com o falecimento da filha de Carnarvon,
já nos anos oitenta.
Até hoje muita gente ainda pensa que existe uma maldição na tumba de Tutankhamon e que a maioria das pessoas que entraram nela na época de sua descoberta morreram de mortes estranhas. Isso absolutamente não é verdade. Ao ser aberta a tumba, 26 pessoas estavam presentes. Apenas seis morreram num prazo de dez anos. Ao ser aberto o sarcófago, havia 22 pessoas presentes. Apenas duas morreram no prazo de dez anos. Quando a múmia foi desembrulhada, dez pessoas presenciaram o fato. Nenhuma morreu no prazo de dez anos. O médico que realizou a autópsia da múmia viveu por mais 20 anos. Quanto a Howard Carter, o descobridor do túmulo e o primeiro a entrar nele em 1922, só veio a falecer em 1939.
Um epidemiologista australiano realizou trabalho de pesquisa que demonstra, segundo ele, que a maldição da tumba de Tutankhamon não passa de mais uma lenda urbana. Comparando a sobrevida dos que estiveram expostos à maldição da múmia com a de seus familiares que não se expuseram, o Dr. Mark Nelson, da Monash University, em Melburne, demonstrou que não há nenhuma base epidemiológica provando que a profanação do túmulo provocou as mortes. A epidemiologia é a ciência que estuda as epidemias, ou seja, as doenças que atacam muitos indivíduos ao mesmo tempo.
O Dr. Mark Nelson baseou-se nos escritos de Carter e elaborou duas listas: uma de 25 pessoas que estiveram envolvidas com a expedição e presentes em seus principais eventos e outra de 19 familiares delas, que não participaram das descobertas. Ele definiu a exposição à maldição como estando presente no rompimento dos selos e na abertura da terceira porta da tumba em 1922, ou na abertura do sarcófago, na abertura dos caixões e no exame da múmia, em 1926. Cada pessoa teria tido, então, entre uma e quatro oportunidades de se expor ao feitiço. O grupo de controle de 19 pessoas que não foram expostas à maldição é formado principalmente por cônjuges, sobretudo esposas. Lutando contra o fato de que as mulheres não existiam para a imprensa dos anos vinte, o pesquisador localizou a maioria das pessoas envolvidas procurando em jornais antigos e livros.
Aqueles que não ficaram expostos à maldição viveram aproximadamente nove anos mais do que os que estiveram expostos. Porém, as pessoas que ficaram expostas já eram mais velhas do que aquelas que não ficaram. Cinco anos da diferença foram explicados por esse motivo. É de se esperar que um grupo de pessoas mais velhas morra antes. O fato de que havia mais mulheres no grupo não exposto, aliado ao fato de que as mulheres geralmente vivem mais tempo, explicam os outros quatro anos da diferença, segundo o pesquisador. Ele concluiu que o resultado de sua análise mostra que não há nenhuma evidência epidemiológica da real existência da famosa maldição da múmia.
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